Período de silêncio ou medo de se comunicar

Muitas empresas brasileiras têm travado verdadeiras batalhas com a imprensa. Motivo: “O Período de Silêncio” tem sido utilizado como desculpa para o não fornecimento de informações. Isso mesmo. Tenho acompanhado o tema de perto e, em especial, escutando relatos surpreendentes de jornalistas econômicos. Mas por que usar uma desculpa falsa quando a empresa tem o direito e pode muito bem assumir abertamente que não deseja fornecer uma entrevista sobre um determinado tema?

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tem se esforçado para esclarecer dúvidas e pontos sobre a regra do período de silêncio, chegando até a reeditar a Instrução 400, que aborda a questão. Na Instrução 482, que acaba de entrar em vigor em agosto deste ano, a CVM deixou bem claro, mais uma vez, que o Período de Silêncio vale apenas para empresas com capital aberto e antecede em 15 dias corridos a divulgação de seus resultados financeiros, ou seja, as empresas não podem prestar esclarecimentos ou discutir com o mercado qualquer tipo de informação relacionada às ‘demonstrações financeiras’.

A revisão da norma teve o intuito de esclarecer que não se deve suspender a divulgação de informações periódicas e eventuais dados obrigatórios durante este período. As companhias deveriam manter sua política usual de comunicação, trabalhando normalmente, dedicando cuidado extra apenas para valores, números e projeções. Porém, na prática, não é o que ocorre. Até meros anúncios, como participação em eventos, têm ficado comprometidos.

Assim como especialistas do mercado financeiro, sou a favor da atuação da CVM em suspender lançamentos de ações por conta de infrações na regra do “Período de Silêncio”, mas sou contra as companhias que recorrem à instrução para justificar suas decisões. Não seria mais fácil simplesmente dizerem que elas optam por não fornecer uma entrevista ou uma determinada informação, uma vez que isso é um direito a elas concedido?

É fato que problemas com no processo de ofertas de ações causam grandes prejuízos financeiros, mas atitudes como a falta de transparência com o mercado e a imprensa, que todos sabem é formadora de opinião, causa danos de imagem muito mais custosos e impactantes aos negócios.

O tema é complexo e polêmico, até porque a linha que divide o que pode e o que não pode ser feito é muito tênue. Prova disso é a quantidade de reuniões e de discussões já realizadas sobre a interpretação da Instrução da CVM. No que se refere à divulgação de informações para a imprensa, o artigo 48 dizia que quem estiver envolvido com a oferta deveria se “abster de se manifestar na mídia sobre a oferta ou o ofertante até a publicação do anúncio de encerramento da distribuição”. No entanto, o CODIM – Comitê de Orientação para Divulgação de Informações ao Mercado, composto por dez entidades representativas do Mercado de Capitais, contrapôs avaliando que o receio de falar com a mídia sobre a oferta poderia prejudicar a divulgação de informações importantes da companhia aos investidores.

Como os americanos dizem, deveríamos seguir a velha métrica de ‘business as usual’, ou de trabalhar normalmente, tomando cuidado especial apenas com a divulgação de demonstrações financeiras. Mas, na prática, o desconhecimento sobre o mercado de capitais e sobre a regulamentação da CVM gera um pânico e um medo excessivo nos funcionários da maioria das empresas, que estão preferindo ficar caladas sobre tudo, justificando a atitude com o “Período de Silêncio”. Assim, estão deixando de prestar esclarecimentos importantes aos stakeholders e se fechando para todos.

Em vez de treinar e orientar seus profissionais para estes momentos, essas empresas acreditam que a única forma de prevenir os vazamentos de informações e eventuais oscilações na bolsa é se escondendo, sem falar nada. Porém todo silêncio tem um preço e pode causar efeitos indesejáveis, como o prejuízo definitivo do relacionamento com investidores e com o mercado como um todo.

No lado oposto das empresas amordaçadas por opção, nos Estados Unidos, o órgão regulador SEC-Securities and Exchange Commission optou, recentemente, por abrandar as severas normas de ‘Período de Silêncio’ juntamente com outras medidas relativas ao mercado americano. Criou níveis diferenciados de companhias emissoras de valores mobiliários e estabeleceu menores ou maiores restrições à comunicação com o mercado e à divulgação de informações, de acordo com o nível de registro das empresas. Ou seja, para a SEC a divulgação de informação habitual por uma empresa listada há mais tempo tem muito menos poder de influenciar a cotação de suas ações do que a divulgação de uma companhia que aguarda autorização para abrir seu capital.

O Brasil está atento ao tema e analisando novas oportunidades de modernizar suas regras relativas ao ‘Período de Silêncio’, inclusive coibindo a divulgação de informações imprecisas, incompletas, tendenciosas ou com o claro objetivo de influenciar os investidores a sobrevalorizarem os papéis ofertados. Estão sob acompanhamento também as empresas que falam demais e tentam mobilizar a opinião pública seu favor, por meio da imprensa e, agora, por meio das redes sociais, que a cada dia crescem de importância dentro das empresas e das áreas de RI – Relacionamento com Investidores.

Poucas vezes a questão do silêncio – tanto entre as empresas que optam como as que necessitam— causou tanta inquietação no mercado de capitais. Resta saber se o impasse entre as diversas partes envolvidas chegará a um consenso por meio do bom senso e do equilíbrio ou, simplesmente, tendo como base uma nova lei.

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