O espetáculo do crime

O assassinato ao vivo de uma jornalista e de um cinegrafista chocou o planeta. As imagens se espalharam pela internet. A repórter de TV Alison Parker entrevistava uma mulher na cidade de Moneta (estado de Virginia, EUA) quando, de repente, ouviram-se vários disparos seguidos de gritos.

A câmera faz movimentos bruscos e a transmissão foi interrompida subitamente. No estúdio, a apresentadora, atônita, tentou dar andamento à programação. Alison Parker e o cinegrafista Adam Ward morreram na hora, ambos baleados por Vester Lee Flanagan, um ex-funcionário da emissora.

O número de assassinatos de jornalistas cresceu exponencialmente nos últimos anos. Na grande maioria dos casos, os crimes estão ligados à tentativa de impedir o trabalho investigativo dos profissionais da mídia e tolher a liberdade de expressão. Não foi esse o pano de fundo da tragédia de Moneta. Lá, a motivação, segundo as informações disponíveis, teve origem nas relações de trabalho, o que também deve levar a uma profunda reflexão das empresas em geral.

Há, porém, um ponto convergente entre os crimes contra a imprensa com conotação política e assassinatos por vingança como o de Moneta: ambos aproveitam a tendência de “espetacularização” na sociedade para multiplicar os efeitos de atos insanos como esses.

Vamos aos fatos divulgados até o momento sobre a morte de Alison e Ward. O atirador Vester Lee Flanagan era um ex-funcionário da emissora e compartilhou pelas mídias sociais um vídeo nos minutos seguintes ao crime. Logo depois se suicidou durante quando era perseguido pela polícia estadual. Embora o Twitter tenha suspendido a conta @bryce_williams7, as imagens foram rapidamente reproduzidas. Nelas, Flanagan declara que era vítima de discriminação racial e discriminação sexual por ser gay. Colegas dizem que eram frases inofensivas.

O diretor da emissora de televisão WDBJ, Jeff Marks, afirmou que o atirador tinha histórico de brigas. Segundo ele, no dia da demissão, há mais de dois anos, recusou-se a deixar o prédio e precisou ser escoltado pela polícia. Antes de sair, Flanagan entregou uma cruz de madeira para o diretor e disse que ele precisaria dela. Adam Ward, o cinegrafista assassinado, estava na redação no momento da discussão e filmou a cena, sendo ameaçado na sequência por Flanagan.

O novo ambiente de negócios que se estabeleceu nos últimos 10 a 15 anos está criando um clima organizacional que as empresas ainda não entenderam na sua plenitude. Os desafios são enormes. Grande parte dos funcionários é da nova geração do “aqui e agora”, vivendo o momento e, em geral, sem intenções de criar vínculos duradouros com as organizações. Com isso, as relações se tornam mais fluidas e os laços de lealdade e estabilidade que caracterizavam as relações entre empresa e empregado antigamente já não existem mais. Hoje, a competição interna é mais acirrada e o corpo de colaboradores menos coeso. Ao mesmo tempo, com a agilidade e a tensão que o mundo digital impôs ao cotidiano e aos processos decisórios, a pressão e cobrança por resultados se acentuaram sensivelmente. Resultado: o potencial de conflitos também se multiplicou.

Não cabe aqui discutir se tais mudanças são boas ou são ruins – é provável que a conclusão demonstre que há aspectos positivos e negativos. O que importa é que as empresas precisam se adaptar ao novo cenário. Um passo importante nessa direção é definir parâmetros diferentes dos atuais para os processos de recrutamento e seleção de profissionais. A contratação não deve considerar apenas a qualificação, mas também a identificação de propósitos entre eles e a companhia.

Da mesma forma, é recomendável investir mais na comunicação interna, intensificando a troca de informações e incentivando o recebimento de percepções, inclusive negativas. Sem canais efetivos de diálogo, esclarecimentos e orientações, é grande a tentação dos colaboradores em externar os problemas enfrentados internamente. Afinal, o acesso às redes sociais e à imprensa facilita a escolha desse caminho.

A Amazon que o diga. Reportagem do The New York Times escutou 100 funcionários sobre os bastidores da empresa. Estímulo à competição desleal, carga horária exagerada e metas irracionalmente altas foram algumas das queixas relatadas pelo Times. Em resposta ao jornal, o presidente da Amazon, Jeff Bezos, disse que não reconhecia a situação descrita.

Comentários podem “viralizar” e atingir o planeta em poucos minutos, independentemente de serem verdadeiros ou caluniosos. Por isso, a resposta das empresas precisa ser assertiva e imediata.

A sociedade midiática em que vivemos (que Mario Vargas Llosa chama com precisão de A Civilização do Espetáculo) contribui para esse estado de coisas. E se há algum ponto em comum entre o assassinato da repórter Alison Parker e os ataques contra a liberdade de imprensa é justamente a “espetacularização” do crime, como me referi acima. Os efeitos de um crime ou atentado, transmitidos ao vivo ou divulgados na internet, se multiplicam em ritmo alucinante, provocando intimidação e terror na sociedade.

Um marco ocorreu em junho de 2002, quando o jornalista Tim Lopes foi morto enquanto preparava uma reportagem sobre abuso sexual de menores e tráfico de drogas em um baile funk na periferia do Rio de Janeiro. Desde então, a profissão tornou-se também de alto risco no País, seguindo a tendência mundial. Dados da ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF), indicam que 66 jornalistas foram mortos, 119 foram sequestrados e 178 foram encarcerados em 2014.

A RSF entregou uma carta aberta à presidenta Dilma Rousseff, agora em junho, exigindo que o governo brasileiro se comprometesse a tomar medidas concretas e eficazes para combater a violência contra os jornalistas. O Brasil é o terceiro país mais perigoso das Américas para o exercício da profissão de jornalista, atrás de México e Honduras. O documento indica que três jornalistas investigativos foram brutalmente assassinados no período de uma semana e outros 38 jornalistas foram mortos no Brasil nos últimos quatro anos. De junho de 2013 a julho de 2014, uma forte repressão policial recaiu sobre repórteres brasileiros e estrangeiros que documentavam as manifestações.

Como dizia Thomas Jefferson“espero que a nossa sabedoria cresça com a nossa força, e que nos ensine que quanto menos usarmos nossa força, maior ela será.”

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